English | Español | Português | Italiano | Français | Deutsch | Nederlands | August 15, 2018 | Issue #31 | ||||||||
O debate sobre legalização das drogas se alastra na América LatinaRenato Rovai da Revista Forum avalia o Movimento Reformista na América LatinaPor Renato Rovai
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Renato Rovai Foto D.R. Jeremy Bigwood 2003 |
Antes da The Economist assumir essa posição, muitas outras entidades e personalidades já haviam se convencido que a legalização pode vir a ser a única alternativa para desmantelar o aparato criminoso construído pelo narcotráfico.
Em 7 de março de 1992, Gustavo de Greiff assumia a Procuradoria Geral da Colômbia. O grande desafio era desmantelar os cartéis do narcotráfico. Greiff conseguiu o que parecia impossível. Levou à prisão, entre outros, Pablo Escobar. Isso provocou a queda do cartel de Medelin e Greiff tornou-se celebridade.
Gustavo de Greiff Foto D.R. Jeremy Bigwood 2003 |
A capa da The Economist e a corajosa opinião de Greiff em pleno EUA são apenas dois momentos do debate a respeito de uma nova forma de se relacionar com as drogas. Em fevereiro deste ano, em meio à crise de segurança pública no Rio de Janeiro, o senador Jefferson Peres também lançou luzes ao debate em nível nacional. A questão é que no mundo inteiro há gente se convencendo de que algo precisa ser modificado urgentemente na política de combate às drogas.
Mario Menéndez, editor do Por Esto! Foto D.R. Jeremy Bigwood 2003 |
Greiff acredita que cada país deve criar sua própria regulamentação, mas defende que companhias privadas e laboratórios fiquem com a produção e a venda das drogas. E que os governos e bancos privados criem fundos para custear a fiscalização da qualidade das substâncias.
No dia 27 de maio o governo do Canadá apresentou ao Parlamento de Ottawa um projeto de lei descriminando o consumo da maconha. No caso dessa lei ser aprovada, a posse de 15 a 30 gramas de maconha deixará de ser um delito e só será penalizada com multas que variarão de 70 a 250 dólares. Se a quantidade apreendida for superior a 30 gramas, o caso será tratado como um delito, mas a imposição das maiores penas será para os produtores e comerciantes. O que torna o projeto canadense de certa forma um marco para uma nova política em relação às drogas na América é também o fato de o país fazer parte do Nafta e ser sócio-vizinho dos EUA.
Não foi à toa que o embaixador norte-americano em Otawwa, Paul Cellucci, reagiu em tom ameaçador: “A aprovação dessa lei pode afetar gravemente o comércio bilateral entre ambos os países, de US$ 1,2 bilhão diários”. Segundo ele, os inspetores de alfândegas americanos poderiam começar a prestar maior atenção nas passagens fronteiriças o que pode reduzir consideravelmente o fluxo das exportações canadenses.
O ministro da Justiça canadense acusou o golpe. Ao apresentar o projeto fez questão de dizer que a lei não pode ser vista como legalização. “Quero deixar claro, não estamos legalizando a maconha e não temos planos para fazê-lo”, disse Martin Cauchon. Mas completou criticando a política de penalização atual do país que é muito semelhante a do todo-poderoso vizinho. “As sanções atualmente são desproporcionadas. A legislação que apresento hoje garantirá que o castigo seja proporcional à pena”, acrescentou.
Alberto Giordano, jornalista norte-americano, é um dos maiores ativistas da legalização das drogas. Editor do narconews.com é impiedoso com o governo de seu país de origem. “A política proibicionista é impulsionada atualmente por uma única nação, os EUA, que chantageiam todos os outros como vem fazendo agora com o Canadá”.
Ele acredita que é na América Latina que o debate a respeito de uma nova política para as drogas está mais avançado. Entre outros motivos porque, na sua opinião, os EUA têm usado a questão do narcotráfico para impor sua política-policial na região. Por isso, sustenta que é fundamental que os países latino-americanos assumam em conjunto a legalização e acredita que há indícios de que isso possa a vir a ocorrer nos próximos anos.
“O debate está bem adiantado ao sul da fronteira gringa e também ao norte, com o Canadá se movimentando para descriminalizar a maconha. Os atuais presidentes do México, Uruguai e Brasil têm falado publicamente contra a política proibicionista. Kirchner nomeou um proeminente juiz antiproibicionista (Eugenio Zaffaroni) para a Corte Suprema. Na Bolívia, os cocaleros são reconhecidos pelo governo como força política importante (nas edições 7 e 8 da Fórum há uma cobertura completa do tema). Na Colômbia, os sonhos gringos de Álvaro Uribe fracassaram em relação à política de droga. E no Peru, como antes na Bolívia, as manifestações dos cocaleros têm levado a uma rebelião mais ampla de muitos setores contra o governo de Toledo e sua política entreguista impulsionada por Washington”, analisou.
Giordano não nos disse, mas seu discurso aponta para uma análise de que o governo norte-americano tem interesses especiais na guerra com o narcotráfico na América Latina. Ou seja, é o que garante espaço para ocupação territorial de grandes áreas dos países andinos e mesmo de intervenções nas políticas do Brasil, Argentina e Uruguai. Qual seria o motivo que levaria os EUA a de certa forma ter suas forças armadas atuando de forma consentida em países como Bolívia, Peru, Colômbia e Equador, por exemplo, se as drogas fossem tratadas como um problema social e de saúde pública?
Claudio Serbale, professor de sociologia da comunicação na Argentina, sustenta que a discussão sobre as drogas no país ainda está distante de caminhar para algo próximo a legalização, mas lembra que no dia 1 de julho a deputada Irmã Parentella apresentou projeto para legalizar o uso médico da maconha. “Por outro lado o governo central, em certa medida para dar respostas a questão da violência, implementou um serviço telefônico para que qualquer pessoa possa denunciar um lugar onde imagina que se venda drogas”, escreveu em uma entrevista realizada por e-mail. A essas contradições, segundo Serbale, se somam a indicação de Eugenio Zaffaroni para presidir a Corte Suprema de Justiça. “Ele é um penalista que tem reconhecimento unânime por sua honradez e formação e tem se posicionado a favor da despenalização do consumo”, registra.
Silvia Inchaurraga Foto D.R. Jermey Bigwood 2003 |
Silvia Inchaurraga, presidente da Associação de Redução de Danos da Argentina (Arda) e secretaria Executiva da Rede Latino Americana de Redução de Danos (Relard) diz que na Argentina como em outras partes do mundo a demonização não só das drogas, mas também das idéias e dos defensores da antiproibição, são resultados de uma abordagem intelectual confusa por parte de muitos que discutem a questão e, claro, de uma política oficial global estadunidense que não abre espaço para um debate mais amplo.
“Legalizar as drogas não é legalizar as substâncias, é legalizar uma abordagem mais racional, efetiva e humana dos problemas associados a elas e ao seu consumo. É uma alternativa a atual legalização de mentiras como a teoria da escalada (de que se começa consumindo uma droga mais leve até que se chegue às mais pesadas). A legalização é uma alternativa aos danos da proibição: contaminação de Aids pelo uso de seringa, violência policial, mercado clandestino, adulteração de substâncias e sobredoses”, sustenta.
Inchaurraga admite que partir para a legalização das drogas não pode ser o caminho atual de países como Argentina e Brasil. “Nesses casos, o possível é avançar com a descriminalização do consumo. Mas em nível internacional é preciso fortalecer o movimento antiproibicionista que pode avançar para discutir as modalidades possíveis da legalização: aberta ou controlada. O que significaria que as drogas seriam pensadas como mercadorias ou como medicamentos”, posiciona.
O economista e estudioso do narcotráfico Hugo Cabieses, afirma que atualmente o debate a respeito da legalização das drogas em seu país é quase nulo. “Quando alguém propõe um debate a respeito ou é satanizado ou ignorado, o que é ainda pior”.
Hugo Cabieses Foto D.R. Jeremy Bigwood 2003 |
No México a defesa da legalização tem mais visibilidade, o deputado do Partido Revolucionário Democrático (PRD), Gregorio Urías, tem sido taxativo: “A guerra contra as drogas é uma guerra perdida”. Ele é de Sinaloa, estado do norte do país, região que sofre grande parte da violência e da corrupção que tem origem no narcotráfico.
“O narcotráfico só tem aumentado, controla mais capital e move maior volume de drogas, o consumo disparou e as conseqüências e a violência engendradas por ele só tem aumentado ano a ano.” No ano passado, Urías apresentou ao Congresso projeto de lei para começar o processo para despenalizar o uso da maconha.
Gregorio Urías Foto D.R. Jeremy Bigwood 2003 |
O jornal diário ¡Por Esto!, da região de Yucatan, o terceiro em circulação do país, também tem defendido abertamente a legalização.
Ricardo Sala do o vivecondrogas.com, garante que o movimento a favor da mudança da legislação no país é grande. “Pergunta ao taxista e ele te dirá que é melhor legalizar”.
Talvez o Brasil seja o país que mais caminhou silenciosamente para um outro tipo de política na relação com as drogas e os usuários. Evidente que a lei atual ainda coíbe tanto o comércio quanto o uso, mas ao enviar sua primeira mensagem ao Congresso, o presidente Lula destacou como um dos pontos principais no tema Justiça, Segurança e Cidadania, a redução da demanda de drogas. Parece um detalhe, mas Lula poderia ter destacado o combate ao narcotráfico e à sua rede criminosa.
Ricardo Sala Foto D.R. Jeremy Bigwood 2003 |
No que diz respeito a uma política de descriminalização ou legalização, Uchôa, diz que o debate ainda não chegou ao conselho nacional anti-drogas. “Mas ele vai chegar e com certeza vamos discuti-lo, uma vez que reconhecemos como um tema pontual, mas que é preciso, ser colocado com isenção, com espírito aberto, para uma discussão em que sejam ouvidos todos os segmentos de sociedade. Eu quero dizer a você que o governo e a Secretaria Nacional Anti-drogas não têm uma posição a tomar nesse assunto. A nossa posição será a de defender com unhas e dentes aquela que a sociedade adotar”, pontua.
Na sociedade e mesmo na mídia uma nova relação com a política que deve ser adotada em relação às drogas também vem sendo debatida. Alguns jornalistas e articulistas têm escrito artigos apontando a legalização como uma melhor possibilidade do que a guerra contra as drogas. Entre esses, destaca-se texto de Hélio Schwartsman de 13 de março último publicado na Folha de S. Paulo. Ele destaca que a taxa de homicídios é de 2,4 por 100 mil habitantes na França, contra 23,5 no Brasil. “Nos EUA, a mais embrutecida das nações industrializadas, o número é de 6,6. A Colômbia, se isto serve de consolo, tem taxa bem maior: 60 por 100 mil.”
E continua: “em termos macroeconômicos, portanto, a receita para baixar a violência é muito simples. Basta que evitemos o caminho colombiano da guerra civil e nos tornemos um país rico. Essa solução se torna menos prática quando se considera que o Brasil não chegará, nos próximos 20 ou 30 anos, ao nível de desenvolvimento social verificado no Primeiro Mundo.”
Schawartsman então diz que o país tem de buscar outras respostas para essa questão e conclui: “Pode ser que eu esteja absolutamente enganado, mas acredito na tese de que as drogas respondem por boa parte da violência gerada pelo crime organizado. É evidente que, se não existissem entorpecentes ilícitos, as quadrilhas continuariam existindo, só que se dedicando a outras atividades delituosas. Ainda assim, acho que o tráfico está entre as mais rentáveis – e menos expostas – das especialidades criminais.(...) Nos interstícios dessa ampla estrutura, surge espaço para a corrupção de autoridades, contrabando de armas e de produtos químicos que serão usados no processamento da droga. Em termos estritamente lógicos, a saída para minorar o problema da violência associada ao narcotráfico é a legalização das drogas. Perceba o leitor que não estou falando em descriminalizar ou ser tolerante para com os usuários, mas de legalização mesmo. Maconha, cocaína e heroína seriam tributados como bebidas alcoólicas e cigarros e poderiam ser vendidos em pontos específicos.(...) No dia em que as drogas estiverem legalizadas, o poder do traficante não será maior do que o do dono de botequim.”
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