Dependência ao fracasso
É hora da América Latina começar a romper com Washington acerca da “guerra contra as drogas”
Por Ethan Nadelmann
Aliança Por Uma Nova Política de Drogas
19 de julho 2003
O pronunciamento do presidente George W. Bush sobre a importância da América Latina, no início de seu governo, aumentou as esperanças para as relações entre os Estados Unidos e seus vizinhos. Mas, nada tem acontecido de acordo com as expectativas. Os conflitos relacionados aos interesses comerciais, política econômica e a guerra do Iraque, desgastaram o otimismo de dois anos e meio atrás. Os problemas têm apenas se agravado e uma parceria regional é apenas teórica. Resta à América Latina começar a agir na defesa de seu próprio interesse e um início é o seu desembaraçamento da chamada “guerra contra as drogas”.
A evidência da futilidade da “guerra contra as drogas” cresce a cada ano. Atacar o suprimento de drogas não tem obtido sucesso: elas são cada vez mais baratas e sua distribuição mais farta do que nunca. Apesar dos programas de erradicação das culturas, existe um cultivo maior de papoula de ópio e de coca do que duas décadas atrás. A tentativa de estancar o fornecimento de drogas é como “enxugar gelo” – diminui a produção em um país, outro preenche o vazio. A Colômbia, por exemplo, não produzia heroína há 15 anos. Agora, o país lidera o fornecimento para os Estados Unidos, tendo ultrapassado o México, a Turquia, o Sudeste e Sudoeste da Ásia, sendo que cada qual teve seu momento de maior fornecedor de heroína.
Longe de melhorar a saúde das nações, a “guerra contra as drogas” trouxe miséria e corrupção. A exemplo de Medelim e outras cidades da Colômbia, traficantes fazem das ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo zonas de livre artilharia. Por toda a América Latina, milhares de fazendeiros têm visto a destruição de seu meio de sustento e de suas terras (os pesticidas e herbicidas usados contra as produções ilícitas causam danos permanentes ao meio ambiente). As intensas ondas de intranqüilidade social e os deslocamentos econômicos não têm sido causados pelas drogas em si, mas sim pelas falhas políticas proibicionistas.
A humanidade nunca esteve livre das drogas, nem estará no futuro. O desafio é aliviar os danos que elas causam. O curso prudente para a América Latina seria a legalização. Os presidentes do México, Brasil, Bolívia e Uruguai têm tratado do assunto. Mas, a legalização é uma opção para a qual ainda não há maturidade. Para o momento, os países na América Latina podem diminuir o ímpeto em ambas – a legalização das drogas e a “guerra contra as drogas” – adotando o conceito de “redução de danos,” reabilitando o cultivo e a venda legal de coca e estabelecendo uma “Coalizão Por Uma Nova Política de Drogas” para resistir ao paradigma proibitivo simplista de Washington.
A estratégia de redução de danos, pioneiramente implantada na Europa e Austrália nos anos 80, usa uma variedade de meios – programas de manutenção de metadona e heroína, troca de agulhas, sala de injeção segura, e “coffee shops” para reduzir a destruição pessoal causada pelo uso da droga (overdose e doenças infecciosas) e os custos sociais (criminalidade e mercado ilegal). É uma política pragmática, que trata as drogas como uma questão de saúde pública e não de justiça criminal. Com HIV/AIDS e abuso de drogas se espalhando por toda a região, alguns países latino americanos já estão implantando estas idéias, mas iniciativas mais amplas são necessárias.
Redução de danos é também uma via interessante de tratar a produção ilegal de drogas e o tráfico. A regulação é uma das estratégias básicas que redução de danos propõe. O esforço para erradicar a coca, por exemplo, tem sido um cruel e completo fracasso. Ao contrario disto, a região inteira deveria responsabilizar-se por uma campanha de “relegitimidade” da coca. A planta de coca, natural da Bolívia e Peru, tem diversas formas de uso comerciais, podendo oferecer inclusive benefícios medicinais, documentados pela Organização Mundial da Saúde.
A América Latina deve criar sua própria “Coalizão Por Uma Nova Política de Drogas” como um projeto regional, no esforço de trazer lucidez para a discussão das drogas. Esta “Coalizão” atrairia membros além da América Latina. Na Europa e Oceania, o apoio para a guerra contra as drogas, que nunca foi entusiasmado, tem diminuído. Jamaica está no processo de descriminalização da maconha. Canadá segue o mesmo caminho, incluindo estudos de substituição de heroína e salas de injeção segura. Em resumo, quando o assunto é drogas, os Estados Unidos estão cada vez mais isolados entre seus vizinhos e aliados.
Este é o momento propicio para a América Latina romper com a política de drogas imposta pelos Estados Unidos. Líderes na região deveriam chamar a “guerra contra as drogas” do que ela realmente é: um fracasso e uma farsa. E, delicadamente, dizer a Washington que a América Latina não pretende mais contribuir com um insensível e enganoso esforço que diminui as possibilidades econômicas da região e a coesão social. Às inevitáveis ameaças de sanções valerá lembrar que “amizades” não comportam hiprocrisias.
Ethan Nadelmann é fundador e diretor executivo da Drug Policy Alliance (Aliança Por Uma Nova Política de Drogas) da cidade de Nova York.
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