English | Español | Português | Italiano | Français | Deutsch | Nederlands | August 15, 2018 | Issue #30 | ||||
Mudança Já!Fórum de legislador carioca pressiona o governo Lula para as reformas nas leis de drogas... e consegue resultadosPor Adriana Veloso
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Carlos Minc D.R. 2003 Adriana Veloso |
Com a lei em vigor a sociedade civil exige seu cumprimento. Célia Szterenfeld, da Associação Brasileira de Redutores de Danos, a ABORDA, aponta o primeiro parágrafo do artigo dois da lei 4074- onde está escrito que “é direito do usuário de drogas não sofrer discriminação em campanhas de drogas” – para questionar a nova campanha antidrogas que diz; “o usuário é responsável pela violência”.
Fábio Mesquita começa sua fala sublinhando que tal lei deveria ser nacional, assim como o trabalho de redução de danos realizado pelas prefeituras de São Paulo, Recife e Porto Alegre. O doutor em redução de danos sugere que “as experiências locais sejam transformadas em políticas públicas” e para alcançar tal objetivo sugere “a criação de um Observatório das Leis sobre Drogas com representações da sociedade civil, um órgão que coordene as informações para poder orientar ações governamentais e não governamentais”, explica. Para ele a representatividade do SENAD está em jogo. “Temos que defender que o secretário da SENAD seja um civil e que haja uma mudança em toda nomenclatura no que se refere às drogas, algo mais humano e menos militarizado”, ressalta. Para ele o trabalho do exército “é controlar as fronteiras”.
“Há uma expectativa crescente de que as mudanças previstas no programa de governo de fato se torne realidade”, ele observa, “a sociedade só tem a ganhar”. Mesquita possui anos de experiência em administração pública, desde 1989 em Santos quando coordenava a prevenção de HIV, até hoje ocupando semelhante o cargo na prefeitura de São Paulo, uma das maiores cidades da América Latina. O acumulo de informação lhe abre a visão para uma conjuntura que também seria levantada pelo outro convidado Luke Dowdney: “o estado não pode se omitir. Não é papel das organizações não governamentais substituir o governo, assim como não é papel da polícia ensinar sobre as drogas em escolas”, diz Mesquita. Ele refere-se ao programa do PROERD em que a polícia dá instruções para jovens sobre as drogas. “Temos que colocar cada um executando seu papel”, finaliza.
Luke Dowdney é autor do livro “Crianças do Tráfico”, resultado de um estudo realizado em 2001 em que entrevistou 300 pessoas em 25 favelas cariocas. Entre eles, policias, jovens, representantes de associações de bairro e todos os sujeitos protagonistas do tráfico de drogas e da violência no morro. “Os jovens se parecem com crianças-soldado de países em guerra”, diz em perfeito português esse inglês que investiga a juventude em diversos países do mundo.
Luke Dowdney D.R. 2003 Adriana Veloso |
Mesmo passando mais de cinco anos nas favelas cariocas Dowdney conta que precisou entender “a história que levou a essa situação” para poder escrever o livro. “Há uma presença deficiente do Estado no morro, tanto em termos de policiamento como em termos de políticas públicas”. Os resultados de sua pesquisa levaram a conclusão de que “o tráfico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro é um sintoma de uma série de outros problemas”.
Dowdney acredita que se tem de ir à raiz para buscar alternativas. “Temos que olhar os problemas sociais que estão em torno da questão”. Segundo ele, um dos maiores problemas é os “atrativos do tráfico – status, dinheiro e ascensão social” em face ao desemprego estrutural do país. Ele ainda aponta que a “grande maioria do jovem da favela não se envolve ativamente com o tráfico” e que “40% dos jovens envolvidos ativamente com o comércio de drogas ilícitas tiveram alguém próximo – família ou amigos – envolvidos com essa atividade no passado”. Outro grande motivo que leva os jovens a participarem dessa estrutura “é a revolta. 30% dos entrevistados envolvidos com o tráfico perderam os pais por atos violentos”, explica. Segundo ele, dos anos 80 para hoje “houve um aumento de 250% de mortes por armas de fogo” em um país que, “em 2001, apreendeu 11 mil armas ilegais”.
Após sua apresentação o microfone passou pela mão dos que estavam presentes no fórum. Eram muitos assuntos para serem discutidos em tão pouco tempo, portanto as intervenções do público foram direcionadas ao tema. E o apoio às propostas foi claro.
Fábio Mesquita D.R. 2003 Adriana Veloso |
Fábio Mesquita, diplomaticamente, apresenta uma solução aplicável à tão grande país; “o Observatório Nacional é fundamental para a troca de experiências e integração”. A orientação política do consenso, de escutar a todos os agentes de determinada situação, que estava sendo aplicada naquela sala da ALERJ, “precisa ser aplicada nacionalmente”, ressalta. Assim as drogas podem ser tratadas “de um ponto de vista multilateral, que inclua sim a polícia, mas não somente a repressão, como também a saúde, a educação, o planejamento, a justiça”, propõe.
As intervenções da sociedade civil deram força aos legisladores e funcionários públicos para seguir na luta por uma política de drogas mais humana e democrática. “A guerra das drogas no Rio de Janeiro mata 20 vezes mais do que os casos de overdose”, exclamou o Minc, que ainda brincou com as palavras “nossa política de drogas é uma droga!”.
Dowdney ressaltou que “o tráfico de drogas existe em qualquer lugar do mundo” e “que há de se trabalhar com as peculiaridades locais para contornar o problema”. Nas favelas cariocas “o crime se torna a única alternativa”, explica, observando também que “o esporte, a capacitação profissionalizante, a valorização da educação, aulas de cidadania e a reabilitação do jovem envolvido com o tráfico” são algumas das linhas de execução da organização não governamental Viva Rio, onde trabalha.
Fábio Mesquita fez o que sugeriu com o Observatório, levou para seu escritório em São Paulo a riqueza da experiência local, relatada no livro “Crianças do Tráfico” e na fala de Dowdney. O doutor em redução de danos sabe que “para tratar o tema de drogas é preciso ampliar a visão para além do ponto de vista militarizado, como temos hoje com o SENAD”.
Carlos Minc, que presidia a seção, declarou “a época do cumpra-se da lei 4049, que garante os direitos dos usuários de drogas”. Assim o fórum terminou aprovando duas moções. A primeira enviada ao presidente Lula exige a execução imediata do programa de governo: as mudanças na SENAD – de local, para o Ministério da Justiça, de nomenclatura, retirando o antidrogas e “conseqüentemente, de conteúdo”, como ressalta Mesquita.
A segunda moção exige a retirada da propaganda veiculada pela prefeitura do Rio de Janeiro e elaborada, de acordo com Mesquita, pelo Instituto Pareceria Contra as Drogas, “que faz campanhas contra o uso de droga, financiada por empresas e orientada por técnicos paulistas”.
Essa segunda moção, que, de fato, defende o direito dos usuários, garantido na lei estadual 4074, representa a voz das bases, colocada para o legislativo por Célia Szterenfeld, da Associação Brasileira de Redutores de Danos, a ABORDA.
O sentimento em comum dos que saíram do fórum era de que “a união dos legisladores com a população havia sido produtiva”, como ressaltou Minc.
Observações posteriores: Alguns dias depois, parecia que a reunião havia sido de fato produtiva. De acordo com o jornal Folha de São Paulo, que publicou na sexta feira, dia 23 de maio, uma reportagem de Fabiana Leite e Iuri Dantas, que dizia:“O ministro Márcio Thomaz Bastos confirmou nos últimos dias a vários especialistas da área de saúde que a estrutura e o comando da Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) serão transferidos para sua pasta, a da Justiça.”
“Thomaz Bastos teria dito que, com isso, o governo Lula cumpre uma proposta de campanha… a transferência era ‘questão de tempo’.”
O jornal também disse que o nome da SENAD mudaria, precisamente como a sociedade civil, mais recentemente na reunião do Rio, havia demandado.
“Segundo a Folha apurou, a mudança só não foi oficializada porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não conseguiu espaço na agenda para informar pessoalmente o titular da secretaria, general Paulo Uchôa, a decisão…”
“O general Paulo Uchôa disse, em evento ontem em São Paulo sobre o uso de crack, desconhecer a mudança. ‘Ah, é? Você é que está dizendo. Não sei de nada’.”
Bem General: agora você já sabe.