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Na Sombra

Entre os prédios da Paulista, o editor do NarcoNews lança o ataque invisível


Por Karine Muller
Relatando de São Paulo, Brasil

24 de março 2003

“Porque toda pessoa que, procurando por sua própria interioridade, descobre o que estava misteriosamente escondido dentro de si, é uma sombra eclipsando qualquer forma de sociedade que possa existir sob o sol!.”
(Renzo Novatore in Apêndice C – TAZ – de Hakim Bey * – Citações Extras)

AVENIDA PAULISTA – SÃO PAULO – 16 DE MARÇO: Artistas, intelectuais, jornalistas, engajados, descolados, anarquistas e outros possíveis conceitos para almas criativas, circulavam pelos salões do SESC, da Fundação Japão e da Casa das Rosas no Mídia Tática Brasil.

Al Giordano fala em Mídia Tática Brasil

Os organizadores deste experimento Ricardo Rosas, Tatiana Wells e Giseli Vasconcelos, cyber-jovens que acreditam no fundamento básico da produção “faça você mesmo”. Com o evento tomaram conta dos três espaços durante os dias 13 a 16 de março dando voz, de acordo com eles, à todos os excluídos dos meios de comunicação: classes desfavorecidas, minorias (raciais, sexuais etc), comunidades alternativas, dissidentes políticos, artistas de rua, entre outros. Al Giordano foi um dos convidados deste “jantar” e numa espécie de Salón Chingón** falou da revolução contra a mídia.


Ricardo Rosas
Foto D.R. Al Giordano 2003
O editor do Narco News, começou o seu discurso “As Massas contra A Mídia: maio de 1968 em Paris, abril de 2002 em Caracas até o presente ImMidiático” citando o livro de Raoul Vaneigem A Arte de Viver para as Novas Gerações, agora traduzido em português, pela editora Conrad. Segundo ele, o livro é uma autêntica fuga-da-prisão. “ Este é um livro maravilhosamente perigoso. Depois que o li, abandonei meu emprego de repórter político em Boston e deixei os Estados Unidos”, disse.

É a primeira vez que Al Giordano desembarca no Brasil. Logo no primeiro passeio pela avenida Paulista, ele viu as torres de TV sobre os altos edifícios e observou: “Aqui está localizado o assento do poder. Nesta Avenida por onde passam milhares de pessoas, trabalhadores, pessoas pobres, as massas…”. Observação muito relevante para iniciar o mapeamento de suas impressões políticas sobre o país, conforme verificamos no final do seu discurso.

Mas, prosseguindo a sua fala para o público do Mídia Tática, Giordano fez uma reverência ao cartunista carioca Latuff, ali presente. Ele criou a Zapatista Art Gallery, site na internet que reúne cartoons sobre a luta dos guerrilheiros mexicanos. Amigos virtuais já há alguns anos, Giordano e Latuff conheceram- se pessoalmente durante o festival.

De Raoul Vaneigem, o “gringo”, como às vezes define- se, vai para a Paris de 1968, onde estava presente a jovem atriz Judith Malina, do Living Theater, grupo de teatro de Nova Iorque. Ela é a única dissidente da época, que Giordano teve a oportunidade de conhecer, entrevistar e tornar- se amigo. “Posso confirmar que Judith Malina ainda vive”, afirma ele. “Isto é o que esta grande revolucionária me contou sobre maio de 68”.


Tatiana Wells
Foto D.R. Al Giordano 2003
E segue o seu discurso sob os olhos atentos dos curiosos, contando a história de Judith Malina e o que aconteceu de verdade naquele momento na França. Segundo ele, ela e o imortal Julian Beck, juntamente com outros membros do Living Theater, estavam exilados dos Estados Unidos em Paris durante a primavera de 1968. Estas pessoas faziam parte do que foi chamado “América de Nômades”.

“Na noite de 10 de maio, barricadas estavam sendo jogadas em muitas ruas de Paris e outras partes da França”, continua Giordano. “Tensões nos campus universitários haviam explodido. E todos estes radicais do teatro, Judith, Julian e seus amigos, certamente queriam participar. “O que nós fazemos?” questionavam-se. “”Nós somos atores, dramaturgos, se a revolução é aqui, então qual é o nosso papel nela?””.

E o “cara” do Narconews prossegue a história até onde os revolucionários ocuparam o prestigiado Teatro Odéon, transformando-o numa espécie de “parlamento do povo”, em meio àquela “tempestade” de Paris. Cita Guy Debord da “Internacional Situationista”, ou IS, o qual afirma que maio de 68 na França, não foi uma greve das massas, mas uma greve de “gatos selvagens”, com a participação de alguns setores da classe trabalhadora, mas isenta de líderes dos sindicatos.


Giseli Vasconcelos
Foto D.R. 2003 Al Giordano
Continua conduzindo seu discurso alimentando esforços para definir o Estado, aconselhando aos anarquistas de plantão a saberem o que é: “O Novo Estado é muito maior que o Governo. O Estado tornou-se privatizado e globalizado”. E para ilustrar melhor esta questão, faz uma pausa e pergunta aos participantes – estaria ele brincando? – se alguém tem um “baseado” pra fumar ali com ele no palco. Como ninguém manifestou-se e ele concluiu : “Olhem só, o Estado é uma merda. Vocês se importam se eu fumar um cigarro aqui?”.

Quando fala-se de Estado, inevitavelmente, acabamos caindo no conceito de Anarquismo. E Giordano dá o seu: “Anarquismo pra mim não é sobre tatuagens, brincos no nariz…ainda que eu goste disso. Ë sobre o que eu não gosto. Éuma negação”. E completa: “O Estado sempre foi um tirano, um abusivo. A tirania é um código genético do estado, eu não aceito o poder do Estado sobre mim”.

Al Giordano encerra a jornada de 1968, faz menção a explosão punk de 1975 de Nova Iorque, fala dos interesses capiltalistas dentro das Universidades e prossegue em seu discurso*** concluindo que “a nostalgia é uma forma de depressão”, como disse-lhe Abbie Hoffman quando tinha 20 anos. E vai para a Caracas de abril de 2002, onde Blanca Eekhout, 32 anos, uma das 26 estudantes graduadas da Escola de Jornalismo Autêntico, que aconteceu no último mês de fevereiro no México, estava presente e fez história. Blanca trabalha na Catia TV (TV comunitária de Caracas) e ao deparar-se com a grande mentira manipulada pela mídia sobre a “Renúncia de Chávez”, ela e a massa, o povo, invadiram a estação de televisão do Estado para dizer a verdade: Hugo Chávez não havia renunciado.

Além de uma revolucionária, Blanca é uma representante do povo venezuelano que toca o espírito de Al Giordano. Já quase no final de seu discurso no salão do SESC, ele diz que está muito feliz de estar no Brasil. E, um dia antes, no boteco da esquina, como dizem os paulistas, ou como diria ele em referência a Simón Bolivar, em algum lugar deste país chamado América, Giordano também foi tocado por um legítimo representante do povo brasileiro: Mestre Laurentino.

Este músico de 77 anos, roupas e anéis coloridos, veio do norte do país para, no meio do concreto da cidade de São Paulo, expressar a todos os experimentadores do Mídia Tática, a sua arte. Genuína, pura, sincera, sua música já foi gravada por grandes nomes como Gilberto Gil, Tom Zé e Paulo Moura. Com muito orgulho, o mestre disse ao jornalista autêntico que seu maior sucesso “Lourinha Americana”, gravada também pela banda Mundo Livre S/A, fala muito mal dos gringos. E depois deu um show particular com sua gaita a todos os presentes. Giordano aplaudiu.


o cartonista Latuff
Foto D.R. 2003 Philip Rothberg
Depois de falar para os mídia “taticistas” sobre o Narconews como uma “máquina de guerra fora do estado”, o editor convida a todos para participar desta guerra, mas alertando sobre o atual otimismo que diz sentir nos jovens brasileiros. “Vocês têm o mesmo otimismo que os venezuelanos tinham no começo de 1998. O único motivo pelo qual o poder finge apoio a Lula é que foram pegos quando tentaram tirar Chávez do poder”, ressalta ele. “Lula e a democracia brasileira só podem sobreviver porque Chávez e a democracia venezuelana estão recebendo os golpes do império agora.” E alerta: ”Se algum dia eles ameaçarem a sua democracia, lembrem-se que o assento do poder está nas torres de TV”.

Para finalizar, o “quase” paulista, já muito à vontade diz: “O poder está localizado na sua alma de comunicação. Então onde estaremos quando chegar o momento revolucionário?”

O Festival Mídia Tática acabou. A Casa das Rosas, casarão construído no início do século por um dos barões do café, e que foi um dos espaços que abrigou o evento, corre o risco de virar… um banco.

Giordano questiona, mas a revolução é aqui e agora. Pode ser uma questão de percepção, não importa. Judith Malina, Raoul Vaneigem, Blanca Eekhout, Mestre Laurentino, os Mídia Taticistas, os prédios da Paulista com suas torres de TV, os anarquistas, os artistas, os jornalistas autênticos e Al Giordano são parte desta “máquina de guerra fora do estado” de Guattari e Deleuze.

Fazem sombra na Paulista, em São Paulo, na América Latina, no Rio de Janeiro, no México, em Nova Iorque… na América. Movem-se em direção ao farol da revolução, atacando e fugindo… invisíveis no céu escuro e silencioso.

* Hakim Bey é autor de TAZ um clássico do nosso tempo e uma das referências para anarquistas, acadêmicos, músicos, hackers, poetas, promotores de passeatas, organizadores de raves, e os chamados guerrilheiros da comunicação.

** Salón Chingòn é uma referência a um salão imMidiático que está sendo proposto pelos estudantes da escola de jornalismo autêntico e que breve estará no ar para a discussão.

*** Como não é intenção desta reportagem, reproduzir na íntegra a fala de Al Giordano no encerramento do Festival Mídia Tática Brasil, convido os leitores a darem uma “espiada” no discurso que está sendo publicado neste site em português, inglês e espanhol. Ali os leitores podem ler mais sobre Judith Malina, Guy Debord, SI, Blanca Eekhout, Anarquismo, Nestor Makhno, Narconews etc.

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