The Narco News Bulletin |
August 16, 2018 | Issue #31 |
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narconews.com - Reporting on the Drug War and Democracy from Latin America |
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Nota do Editor: O jornalista Renato Rovai, de São Paulo, é um dos maiores especialistas do hemisfério em expor a Guerra às Drogas. Como professor da Escola de Jornalismo Autêntico do Narco News editou a página em português durante sua criação em fevereiro, na cobertura feita à Cúpula sobre Legalização de Drogas realizada em Mérida, México. Sua revista de circulação nacional, Forum, é considerada no Brasil uma das principais fontes de informação sobre o que acontece dentro do governo e do Partido dos Trabalhadores (PT).Deste modo, entre os achados significativos desta matéria, publicada na Revista Forum e traduzida por Narco News, estão declarações que saíram da entrevista feita com o Czar Antidrogas brasileiro, General Paulo Roberto Uchôa- considerado uma "águia" defensora do proibicionismo - que, pela primeira vez abranda sua posição e abre as portas para uma nova política de drogas.
Como documenta Rovai, o novo posicionamento de Uchôa ocorre em meio ao crescimento do movimento antiproibicionista em toda a América Latina, em diversas frentes que raramente se unem, mas que estão cada vez mais próximas - como descrito por vários protagonistas da Colômbia, México, Peru, Argentina, Brasil e de outras partes, entrevistados para esta matéria - unidos contra um inimigo comum: o proibicionismo imposto aos outros países pela política de drogas do governo estadunidense.
- Al Giordano, editor
![]() Renato Rovai Foto D.R. Jeremy Bigwood 2003 |
Antes da The Economist assumir essa posição, muitas outras entidades e personalidades já haviam se convencido que a legalização pode vir a ser a única alternativa para desmantelar o aparato criminoso construído pelo narcotráfico.
Em 7 de março de 1992, Gustavo de Greiff assumia a Procuradoria Geral da Colômbia. O grande desafio era desmantelar os cartéis do narcotráfico. Greiff conseguiu o que parecia impossível. Levou à prisão, entre outros, Pablo Escobar. Isso provocou a queda do cartel de Medelin e Greiff tornou-se celebridade.
![]() Gustavo de Greiff Foto D.R. Jeremy Bigwood 2003 |
A capa da The Economist e a corajosa opinião de Greiff em pleno EUA são apenas dois momentos do debate a respeito de uma nova forma de se relacionar com as drogas. Em fevereiro deste ano, em meio à crise de segurança pública no Rio de Janeiro, o senador Jefferson Peres também lançou luzes ao debate em nível nacional. A questão é que no mundo inteiro há gente se convencendo de que algo precisa ser modificado urgentemente na política de combate às drogas.
![]() Mario Menéndez, editor do Por Esto! Foto D.R. Jeremy Bigwood 2003 |
Greiff acredita que cada país deve criar sua própria regulamentação, mas defende que companhias privadas e laboratórios fiquem com a produção e a venda das drogas. E que os governos e bancos privados criem fundos para custear a fiscalização da qualidade das substâncias.
No dia 27 de maio o governo do Canadá apresentou ao Parlamento de Ottawa um projeto de lei descriminando o consumo da maconha. No caso dessa lei ser aprovada, a posse de 15 a 30 gramas de maconha deixará de ser um delito e só será penalizada com multas que variarão de 70 a 250 dólares. Se a quantidade apreendida for superior a 30 gramas, o caso será tratado como um delito, mas a imposição das maiores penas será para os produtores e comerciantes. O que torna o projeto canadense de certa forma um marco para uma nova política em relação às drogas na América é também o fato de o país fazer parte do Nafta e ser sócio-vizinho dos EUA.
Não foi à toa que o embaixador norte-americano em Otawwa, Paul Cellucci, reagiu em tom ameaçador: "A aprovação dessa lei pode afetar gravemente o comércio bilateral entre ambos os países, de US$ 1,2 bilhão diários". Segundo ele, os inspetores de alfândegas americanos poderiam começar a prestar maior atenção nas passagens fronteiriças o que pode reduzir consideravelmente o fluxo das exportações canadenses.
O ministro da Justiça canadense acusou o golpe. Ao apresentar o projeto fez questão de dizer que a lei não pode ser vista como legalização. "Quero deixar claro, não estamos legalizando a maconha e não temos planos para fazê-lo", disse Martin Cauchon. Mas completou criticando a política de penalização atual do país que é muito semelhante a do todo-poderoso vizinho. "As sanções atualmente são desproporcionadas. A legislação que apresento hoje garantirá que o castigo seja proporcional à pena", acrescentou.
Alberto Giordano, jornalista norte-americano, é um dos maiores ativistas da legalização das drogas. Editor do narconews.com é impiedoso com o governo de seu país de origem. "A política proibicionista é impulsionada atualmente por uma única nação, os EUA, que chantageiam todos os outros como vem fazendo agora com o Canadá".
Ele acredita que é na América Latina que o debate a respeito de uma nova política para as drogas está mais avançado. Entre outros motivos porque, na sua opinião, os EUA têm usado a questão do narcotráfico para impor sua política-policial na região. Por isso, sustenta que é fundamental que os países latino-americanos assumam em conjunto a legalização e acredita que há indícios de que isso possa a vir a ocorrer nos próximos anos.
"O debate está bem adiantado ao sul da fronteira gringa e também ao norte, com o Canadá se movimentando para descriminalizar a maconha. Os atuais presidentes do México, Uruguai e Brasil têm falado publicamente contra a política proibicionista. Kirchner nomeou um proeminente juiz antiproibicionista (Eugenio Zaffaroni) para a Corte Suprema. Na Bolívia, os cocaleros são reconhecidos pelo governo como força política importante (nas edições 7 e 8 da Fórum há uma cobertura completa do tema). Na Colômbia, os sonhos gringos de Álvaro Uribe fracassaram em relação à política de droga. E no Peru, como antes na Bolívia, as manifestações dos cocaleros têm levado a uma rebelião mais ampla de muitos setores contra o governo de Toledo e sua política entreguista impulsionada por Washington", analisou.
Giordano não nos disse, mas seu discurso aponta para uma análise de que o governo norte-americano tem interesses especiais na guerra com o narcotráfico na América Latina. Ou seja, é o que garante espaço para ocupação territorial de grandes áreas dos países andinos e mesmo de intervenções nas políticas do Brasil, Argentina e Uruguai. Qual seria o motivo que levaria os EUA a de certa forma ter suas forças armadas atuando de forma consentida em países como Bolívia, Peru, Colômbia e Equador, por exemplo, se as drogas fossem tratadas como um problema social e de saúde pública?
Claudio Serbale, professor de sociologia da comunicação na Argentina, sustenta que a discussão sobre as drogas no país ainda está distante de caminhar para algo próximo a legalização, mas lembra que no dia 1 de julho a deputada Irmã Parentella apresentou projeto para legalizar o uso médico da maconha. "Por outro lado o governo central, em certa medida para dar respostas a questão da violência, implementou um serviço telefônico para que qualquer pessoa possa denunciar um lugar onde imagina que se venda drogas", escreveu em uma entrevista realizada por e-mail. A essas contradições, segundo Serbale, se somam a indicação de Eugenio Zaffaroni para presidir a Corte Suprema de Justiça. "Ele é um penalista que tem reconhecimento unânime por sua honradez e formação e tem se posicionado a favor da despenalização do consumo", registra.
![]() Silvia Inchaurraga Foto D.R. Jermey Bigwood 2003 |
Silvia Inchaurraga, presidente da Associação de Redução de Danos da Argentina (Arda) e secretaria Executiva da Rede Latino Americana de Redução de Danos (Relard) diz que na Argentina como em outras partes do mundo a demonização não só das drogas, mas também das idéias e dos defensores da antiproibição, são resultados de uma abordagem intelectual confusa por parte de muitos que discutem a questão e, claro, de uma política oficial global estadunidense que não abre espaço para um debate mais amplo.
"Legalizar as drogas não é legalizar as substâncias, é legalizar uma abordagem mais racional, efetiva e humana dos problemas associados a elas e ao seu consumo. É uma alternativa a atual legalização de mentiras como a teoria da escalada (de que se começa consumindo uma droga mais leve até que se chegue às mais pesadas). A legalização é uma alternativa aos danos da proibição: contaminação de Aids pelo uso de seringa, violência policial, mercado clandestino, adulteração de substâncias e sobredoses", sustenta.
Inchaurraga admite que partir para a legalização das drogas não pode ser o caminho atual de países como Argentina e Brasil. "Nesses casos, o possível é avançar com a descriminalização do consumo. Mas em nível internacional é preciso fortalecer o movimento antiproibicionista que pode avançar para discutir as modalidades possíveis da legalização: aberta ou controlada. O que significaria que as drogas seriam pensadas como mercadorias ou como medicamentos", posiciona.
O economista e estudioso do narcotráfico Hugo Cabieses, afirma que atualmente o debate a respeito da legalização das drogas em seu país é quase nulo. "Quando alguém propõe um debate a respeito ou é satanizado ou ignorado, o que é ainda pior".
![]() Hugo Cabieses Foto D.R. Jeremy Bigwood 2003 |
No México a defesa da legalização tem mais visibilidade, o deputado do Partido Revolucionário Democrático (PRD), Gregorio Urías, tem sido taxativo: "A guerra contra as drogas é uma guerra perdida". Ele é de Sinaloa, estado do norte do país, região que sofre grande parte da violência e da corrupção que tem origem no narcotráfico.
"O narcotráfico só tem aumentado, controla mais capital e move maior volume de drogas, o consumo disparou e as conseqüências e a violência engendradas por ele só tem aumentado ano a ano." No ano passado, Urías apresentou ao Congresso projeto de lei para começar o processo para despenalizar o uso da maconha.
![]() Gregorio Urías Foto D.R. Jeremy Bigwood 2003 |
O jornal diário ¡Por Esto!, da região de Yucatan, o terceiro em circulação do país, também tem defendido abertamente a legalização.
Ricardo Sala do o vivecondrogas.com, garante que o movimento a favor da mudança da legislação no país é grande. "Pergunta ao taxista e ele te dirá que é melhor legalizar".
Talvez o Brasil seja o país que mais caminhou silenciosamente para um outro tipo de política na relação com as drogas e os usuários. Evidente que a lei atual ainda coíbe tanto o comércio quanto o uso, mas ao enviar sua primeira mensagem ao Congresso, o presidente Lula destacou como um dos pontos principais no tema Justiça, Segurança e Cidadania, a redução da demanda de drogas. Parece um detalhe, mas Lula poderia ter destacado o combate ao narcotráfico e à sua rede criminosa.
![]() Ricardo Sala Foto D.R. Jeremy Bigwood 2003 |
No que diz respeito a uma política de descriminalização ou legalização, Uchôa, diz que o debate ainda não chegou ao conselho nacional anti-drogas. "Mas ele vai chegar e com certeza vamos discuti-lo, uma vez que reconhecemos como um tema pontual, mas que é preciso, ser colocado com isenção, com espírito aberto, para uma discussão em que sejam ouvidos todos os segmentos de sociedade. Eu quero dizer a você que o governo e a Secretaria Nacional Anti-drogas não têm uma posição a tomar nesse assunto. A nossa posição será a de defender com unhas e dentes aquela que a sociedade adotar", pontua.
Na sociedade e mesmo na mídia uma nova relação com a política que deve ser adotada em relação às drogas também vem sendo debatida. Alguns jornalistas e articulistas têm escrito artigos apontando a legalização como uma melhor possibilidade do que a guerra contra as drogas. Entre esses, destaca-se texto de Hélio Schwartsman de 13 de março último publicado na Folha de S. Paulo. Ele destaca que a taxa de homicídios é de 2,4 por 100 mil habitantes na França, contra 23,5 no Brasil. "Nos EUA, a mais embrutecida das nações industrializadas, o número é de 6,6. A Colômbia, se isto serve de consolo, tem taxa bem maior: 60 por 100 mil."
E continua: "em termos macroeconômicos, portanto, a receita para baixar a violência é muito simples. Basta que evitemos o caminho colombiano da guerra civil e nos tornemos um país rico. Essa solução se torna menos prática quando se considera que o Brasil não chegará, nos próximos 20 ou 30 anos, ao nível de desenvolvimento social verificado no Primeiro Mundo."
Schawartsman então diz que o país tem de buscar outras respostas para essa questão e conclui: "Pode ser que eu esteja absolutamente enganado, mas acredito na tese de que as drogas respondem por boa parte da violência gerada pelo crime organizado. É evidente que, se não existissem entorpecentes ilícitos, as quadrilhas continuariam existindo, só que se dedicando a outras atividades delituosas. Ainda assim, acho que o tráfico está entre as mais rentáveis - e menos expostas - das especialidades criminais.(...) Nos interstícios dessa ampla estrutura, surge espaço para a corrupção de autoridades, contrabando de armas e de produtos químicos que serão usados no processamento da droga. Em termos estritamente lógicos, a saída para minorar o problema da violência associada ao narcotráfico é a legalização das drogas. Perceba o leitor que não estou falando em descriminalizar ou ser tolerante para com os usuários, mas de legalização mesmo. Maconha, cocaína e heroína seriam tributados como bebidas alcoólicas e cigarros e poderiam ser vendidos em pontos específicos.(...) No dia em que as drogas estiverem legalizadas, o poder do traficante não será maior do que o do dono de botequim."