The Narco News Bulletin

August 16, 2018 | Issue #30  
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Dependência ao fracasso

É hora da América Latina começar a romper com Washington acerca da "guerra contra as drogas"

Por Ethan Nadelmann
Aliança Por Uma Nova Política de Drogas

19 de julho 2003
Esse artigo foi publicado originalmente na Internet em http://www.narconews.com/artigo.php3?ArtigoID=809

O pronunciamento do presidente George W. Bush sobre a importância da América Latina, no início de seu governo, aumentou as esperanças para as relações entre os Estados Unidos e seus vizinhos. Mas, nada tem acontecido de acordo com as expectativas. Os conflitos relacionados aos interesses comerciais, política econômica e a guerra do Iraque, desgastaram o otimismo de dois anos e meio atrás. Os problemas têm apenas se agravado e uma parceria regional é apenas teórica. Resta à América Latina começar a agir na defesa de seu próprio interesse e um início é o seu desembaraçamento da chamada "guerra contra as drogas".

A evidência da futilidade da "guerra contra as drogas" cresce a cada ano. Atacar o suprimento de drogas não tem obtido sucesso: elas são cada vez mais baratas e sua distribuição mais farta do que nunca. Apesar dos programas de erradicação das culturas, existe um cultivo maior de papoula de ópio e de coca do que duas décadas atrás. A tentativa de estancar o fornecimento de drogas é como "enxugar gelo" - diminui a produção em um país, outro preenche o vazio. A Colômbia, por exemplo, não produzia heroína há 15 anos. Agora, o país lidera o fornecimento para os Estados Unidos, tendo ultrapassado o México, a Turquia, o Sudeste e Sudoeste da Ásia, sendo que cada qual teve seu momento de maior fornecedor de heroína.

Longe de melhorar a saúde das nações, a "guerra contra as drogas" trouxe miséria e corrupção. A exemplo de Medelim e outras cidades da Colômbia, traficantes fazem das ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo zonas de livre artilharia. Por toda a América Latina, milhares de fazendeiros têm visto a destruição de seu meio de sustento e de suas terras (os pesticidas e herbicidas usados contra as produções ilícitas causam danos permanentes ao meio ambiente). As intensas ondas de intranqüilidade social e os deslocamentos econômicos não têm sido causados pelas drogas em si, mas sim pelas falhas políticas proibicionistas.

A humanidade nunca esteve livre das drogas, nem estará no futuro. O desafio é aliviar os danos que elas causam. O curso prudente para a América Latina seria a legalização. Os presidentes do México, Brasil, Bolívia e Uruguai têm tratado do assunto. Mas, a legalização é uma opção para a qual ainda não há maturidade. Para o momento, os países na América Latina podem diminuir o ímpeto em ambas - a legalização das drogas e a "guerra contra as drogas" - adotando o conceito de "redução de danos," reabilitando o cultivo e a venda legal de coca e estabelecendo uma "Coalizão Por Uma Nova Política de Drogas" para resistir ao paradigma proibitivo simplista de Washington.

A estratégia de redução de danos, pioneiramente implantada na Europa e Austrália nos anos 80, usa uma variedade de meios - programas de manutenção de metadona e heroína, troca de agulhas, sala de injeção segura, e "coffee shops" para reduzir a destruição pessoal causada pelo uso da droga (overdose e doenças infecciosas) e os custos sociais (criminalidade e mercado ilegal). É uma política pragmática, que trata as drogas como uma questão de saúde pública e não de justiça criminal. Com HIV/AIDS e abuso de drogas se espalhando por toda a região, alguns países latino americanos já estão implantando estas idéias, mas iniciativas mais amplas são necessárias.

Redução de danos é também uma via interessante de tratar a produção ilegal de drogas e o tráfico. A regulação é uma das estratégias básicas que redução de danos propõe. O esforço para erradicar a coca, por exemplo, tem sido um cruel e completo fracasso. Ao contrario disto, a região inteira deveria responsabilizar-se por uma campanha de "relegitimidade" da coca. A planta de coca, natural da Bolívia e Peru, tem diversas formas de uso comerciais, podendo oferecer inclusive benefícios medicinais, documentados pela Organização Mundial da Saúde.

A América Latina deve criar sua própria "Coalizão Por Uma Nova Política de Drogas" como um projeto regional, no esforço de trazer lucidez para a discussão das drogas. Esta "Coalizão" atrairia membros além da América Latina. Na Europa e Oceania, o apoio para a guerra contra as drogas, que nunca foi entusiasmado, tem diminuído. Jamaica está no processo de descriminalização da maconha. Canadá segue o mesmo caminho, incluindo estudos de substituição de heroína e salas de injeção segura. Em resumo, quando o assunto é drogas, os Estados Unidos estão cada vez mais isolados entre seus vizinhos e aliados.

Este é o momento propicio para a América Latina romper com a política de drogas imposta pelos Estados Unidos. Líderes na região deveriam chamar a "guerra contra as drogas" do que ela realmente é: um fracasso e uma farsa. E, delicadamente, dizer a Washington que a América Latina não pretende mais contribuir com um insensível e enganoso esforço que diminui as possibilidades econômicas da região e a coesão social. Às inevitáveis ameaças de sanções valerá lembrar que "amizades" não comportam hiprocrisias.

Ethan Nadelmann é fundador e diretor executivo da Drug Policy Alliance (Aliança Por Uma Nova Política de Drogas) da cidade de Nova York.



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