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Campanha Brasileira Espelha-se em Modelo Gringo e Culpa Usuários pela Violência

A “Parceria Contra Drogas” é fiel a roteiro de Washington e ONG responsável comprova ser uma grande farsa


Por Carola Mittrany
Especial para The Narco News Bulletin

30 de maio 2003

RIO DE JANEIRO, 30 DE MAIO DE 2003: “Não é você que é dependente das drogas. O tráfico é que depende de você” é a mais nova campanha anti drogas em circulação no Brasil. No ar há cerca de um mês, ela é veiculada em outdoors pelas principais cidades do país e em anúncios na mídia impressa, televisão e rádio. Uma estratégia direcionada a causar impacto numa sociedade fragilizada pelo tema da violência. Mas será que é honesta?

A campanha busca sensibilizar os usuários eventuais de drogas, ou seja cerca de 70% dos que declaram consumir substâncias ilícitas, diz André Eppinghaus, diretor de criação da nova campanha no site da Associação Parceria Contra Drogas.

O site da associação também publica um texto do psiquiatra Ronaldo Laranjeira, o mesmo que foi pego na semana passada inventando efeitos absurdos da maconha (vejam “Perito estadunidense traz o ‘Reefer Madness’ para o Brasil”, Narco News, 20 de maio de 2003). É interessante notar que o desacreditado Laranjeira faz parte da comissão técnica da Parceria Contra Drogas, logo o que se pode esperar de tal organização?

E os demais usuários? Os usuários dependentes, que saída há para eles? Ou então, os meninos de rua que ficam cheirando cola para não sentir fome. Que solução há para essas crianças?

O mais curioso é que esta campanha é muito similar à última campanha contra drogas veiculada nos Estados Unidos, que culpa os usuários por financiarem o terrorismo. No entanto, um estudo sob a coordenação da mesma agência da Casa Branca que financia a campanha mostrou que esta foi um tremendo fracasso e foi tirada do ar. Outro dado de interesse é que após a comprovação do mau êxito da campanha, a mesma em que se inspira a brasileira, os responsáveis pelo mito da guerra contra as drogas em Washington resolveram dar um fim ao estudo anual que verificava a eficácia de suas próprias campanhas publicitárias anti drogas para não ter que se preocupar no futuro com questões de eficiência.

A campanha norte-americana (assim como a brasileira) não faz nada para educar sobre os riscos à saúde do uso de drogas ou estimular o diálogo entre pais e filhos. Além do mais, a campanha “se esquece” de dizer que é justamente a guerra contra as drogas que é responsável pelo surgimento de mercados ilegais que sustentam a violência, aponta a Drug Policy Alliance, a maior organização dos Estados Unidos que promove alternativas para a guerra contra as drogas. Em outras palavras, é um grande desperdiço de recursos e a pergunta que fica é: Por que está sendo copiada no Brasil?

A entidade responsável pela campanha é a Associação Parceria Contra Drogas, uma ONG fundada por vários empresários da iniciativa privada, entre eles Luiz Fernando Furlan, atual ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e Horácio Lafer Piva, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Seu apóio financeiro provém de corporações que incluem grandes bancos (lavagem de dinheiro talvez? O banco Santander, por exemplo, um dos conglomerados por trás deste programa, foi pego em uma operação de lavagem de dinheiro pelo Departamento Anti Drogas (DEA) dos Estados Unidos, assim como pela Alfândega e o Federal Reserve Board em 1998), além das farmacêuticas Eli Lilly e Pfizer, entre outras.

O que é uma grande hipocrisia já que estas últimas empresas deveriam começar suas campanhas advertindo sobre os perigos em potencial de suas próprias drogas.

De acordo com a própria Pfizer como aparece em seu site sua pílula anti-depressão Zoloft pode causar “efeitos colaterais” como “náusea, dor de cabeça, boca seca, diarréia, distúrbios do sono e perda de apetite” assim como “enjôo, problemas sexuais, nervosismo e tremedeira”. E se você tentar resolver qualquer um desses incômodos “problemas sexuais” com a droga-maravilha da Pfizer Viagra, cuidado! Segundo a própria empresa, os efeitos mais comuns são “dor de cabeça e rubor no rosto” além de “indigestão, tontura, nariz entupido e efeitos na visão… em casos raros, um homem pode ter uma ereção por horas. A pessoa deve chamar seu medico imediatamente se ocorrer uma ereção por mais de quarto horas”.

Ou o que dizer da outra corporação patrocinadora Eli Lilly? Por que a Parceria não adverte primeiro ao público sobre as drogas que a empresa fabrica? Tomemos como exemplo a famosa pílula da felicidade da Eli Lilly, Prozac. De acordo com informações de seu próprio site, o Prozac pode provocar “náusea, dificuldade para dormir, enjôo, ansiedade, nervosismo, fraqueza, perda de apetite, tremedeira, boca seca, suor, perda de apetite sexual, impotência e sonolência”.

Pois é, agora sabemos porque o Dr. Laranjeira não fala alto sobre os reais perigos de certas drogas; fica claro seu conflito de interesses por meio de seu envolvimento com a ONG Parceria Contra Drogas.

Ora, com tanto dinheiro e poder por trás, é esquisito que não invistam em programas mais abrangentes e em campanhas que sejam pelo menos originais e não um modelo copiado de uma propaganda que comprovou ser um fracasso. Não é preciso ser Shakespeare para intuir que há algo de podre no ar.

Primeiro, nem todo usuário deseja ou consegue se livrar das drogas. Devemos nos ater assim ao preceito constitucional brasileiro de saúde pública, que garante abrangência universal e não admite critérios, sob quaisquer pretextos ou alegações, que permitam excluir determinado segmento social de possíveis benefícios. Dessa forma, em vez de culpar o usuário, uma alternativa real é resgatar o papel ativo da pessoa em questão .

É este o objetivo das organizações de Redução de Danos, que buscam tirar o indivíduo da marginalidade e reintegrá-lo à sociedade . Pois qual é o pecado de um sujeito que usa drogas e não por isso deixa de trabalhar, estudar ou dar carinho às pessoas que estão à sua volta? Sejamos honestos. Nem toda pessoa que usa drogas representa um mal à sociedade. Por outro lado, mau caratismo sim e isso não exclui aqueles indivíduos que se dizem “livres” das drogas mas que adoram uma briga ou são pastores de igrejas evangélicas – como o Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro e primeiro-marido Anthony Garotinho – e por aí vai.

Assim coloca-se a questão: por que o sujeito usa drogas? A realidade é que a droga dá uma sensação de bem-estar. No entanto, a maioria das campanhas contra drogas as satanizam e quando o sujeito comprova que não é bem assim se sente traído esquecendo-se de que a droga realmente pode lhe causar algum dano. Por isso, é a forma como se lida com as drogas que é importante abordar e não se esta é usada de vez em quando.

O que é uma droga afinal de contas? Pode-se dizer que tudo aquilo que, de alguma forma, nos faz mal. Sendo assim, Coca-Cola pode ser considerada uma droga, assim como trabalho em excesso. É neste excesso que está o problema. É claro que não se pode ignorar que a droga tem uma especificidade própria, que a diferencia de um refrigerante ou de um trabalho repetitivo e alienante. Porém, tudo depende da forma como é usada. Se uma pessoa fuma ou bebe de vez em quando sem isto afetar as demais esferas de sua vida qual é o problema? O perigo é de que a procura desta substância se torne sintomática e de que a pessoa não possa mais fazer nada sem ela. Portanto temos que ampliar o significado de droga e assumi-la como um objeto que pode nos proporcionar muito prazer, mas também muita angústia e ansiedade se a sua busca se tornar incessante e um requisito para o nosso bem-estar.

Esta questão certamente rende mais discussão do que um par de parágrafos, mas não é o intuito deste texto debatê-la no momento. O que nos interessa aqui é abordar o tema das drogas de uma maneira mais honesta, abrir a discussão ao grande público para que seja possível reformular uma nova política de drogas, que coloque em questão determinações mais profundas dos problemas gerados pelo tráfico e que abra caminho para alternativas realmente transformadoras.

A mídia, por sua vez, deixa de cumprir seu papel de prestar um serviço de informação e confunde o espectador com valores e moral hipócritas. Por meio de sua cobertura sensacionalista e alarmista, que foca basicamente o consumo e o tráfico em nível varejista, reduz a discussão e marginaliza o usuário de drogas ao tempo que cria uma falsa distinção entre os “saudáveis e bem-sucedidos” e os “desajustados”, que preferem fumar um baseado em casa com os amigos do que sair para gastar seu dinheiro em boates da moda regadas a álcool. Isto é claro não é mais do que estereotipar, justamente como a mídia o faz.

A questão das drogas é global e multidimensional. Ela abrange temas igualmente complexos como tráfico de armas, desemprego estrutural, falta de recursos na área de saúde e educação. No entanto, o Estado prefere fazer vista grossa e tratar do tema de uma forma mais simplista e burra. O governo de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, não destinou verbas para educação e conscientização do problema das drogas mas somente para repressão ao usuário, baseado em modelo dos Estados Unidos. Infelizmente, nosso presidente atual, Lula da Silva, continua com tal programa .

O que é preciso então? A resposta não é simples e requer um esforço maior do que o atual, pois a busca de prazer por meio de substâncias que alteram nosso psiquismo encontra-se na raiz da própria história da humanidade e a sua repressão não tem adiantado muito.

Assim sendo, faz-se necessário investir numa cidadania mais ampla e menos coercitiva. Pois é, no mínimo, estranho que se invista tanto em repressão e menos em cultura e educação. Afinal o que queremos? Indivíduos conscientes de suas decisões ou miquinhos amestrados que se contentem com Prozacs e Viagras e não questionem porque usam tais substâncias lícitas?

Leitores, vamos abrir nossos olhos para uma questão muito mais complexa do que a mídia e o Estado nos faz crer que é. Além de uma melhor definição do que é droga, o que precisamos é construir um espaço onde o trabalho não seja alienante e nem tudo seja apenas capital. Um projeto revolucionário, mais trabalhoso e, certamente, mais honesto.

Carola Mittrany é bolsista da Escola de Jornalismo Autêntico de Narco News.

Notas:

1. Christiane Moema Alves Sampaio & Marcelo Araújo Campos. Drogas, Dignidade e Inclusão Social: A Lei e a Prática de Redução de Danos. Associação Brasileira de Redutores de Danos. Rio de Janeiro, 2003.

2. Para mais detalhes ler a série de reportagens do Narco News sobre os esforços dos Programas de Redução de Danos no Brasil: Uma Política de Drogas a Partir da Base.

3. Maierovitch ,Walter. Os Efeitos Econômicos da Cannabis. In: Revista Carta Capital. São Paulo, 2003.

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